Outra vez o bispo e o comentador
Bernardo de Brito e Cunha
ELE ANDAVA já a prepará-la aí há coisa de um mês, quando comparou Passos Coelho a Salazar e disse que tinha vontade de sair para a rua “para fazer democracia”. Ele é o bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira e na segunda-feira passada voltou ao ataque. Foi numa entrevista à TVI, onde disse que “Há jogos atrás da cortina, habilidades e corrupção. Este Governo é profundamente corrupto nestas atitudes a que estamos a assistir”. Numa crítica à forma como o Governo tem lidado com as exigências da troika, o bispo prosseguiu: “Nós estamos numa peregrinação em direcção a Bruxelas e quando tudo estiver pago daqui de Portugal, sai uma procissão de mascarados a dizer: vamos para um asilo, salvem-nos”. Foi no programa “Política Mesmo” e não se ficou por aqui: “O problema é civilizacional, porque é ético,” sustentou o bispo. “Eu não acredito nestes tipos, em alguns destes tipos, porque são equívocos, porque lutam pelos seus interesses, porque têm o seu gangue, porque têm o seu clube, porque pressionam a comunicação social, o que significa que os anteriores, que foram tão atacados, eram uns anjos ao pé destes diabinhos negros que acabam de aparecer”.
E SE, A PRINCÍPIO, o assessor de imprensa de Passos Coelho dizia que as declarações do bispo “não merecem comentário”, na terça a coisa já era diferente. Foi pela voz de Aguiar Branco, ministro da Defesa, que parecia mesmo melindrado. A ponto de dizer coisas como “o senhor bispo sabe que é feio faltar à verdade”, ou “espero que já tenha entregado as provas do que diz na Procuradoria Geral da República” e, para rematar, esta beleza: “Espero que faça uma escolha entre ser bispo das Forças Armadas ou comentador político.” Parecia – e soava – a uma ameaça de despedimento de D. Januário: Aguiar Branco pensaria que estava a falar de sargentos e praças? Eu não tenho procuração para defender D. Januário – e a ver pelo que disse, nem precisa. Mas acredito piamente que o Bispo terá uma noção muito maior das dificuldades atuais do povo português, pelo contacto diário, do que qualquer membro do governo que, de facto, só se preocupa com as exigências da troika.
NO SEU COMENTÁRIO SEMANAL de domingo na TVI, o antigo líder social-democrata Marcelo Rebelo de Sousa frisou que o problema de Relvas já “não é nem sequer o parecer” da Universidade Lusófona onde se fundamenta a decisão de atribuir as equivalências, mas o “ruído” que se gerou à volta do caso, com várias vozes da direita a pedirem a demissão do ministro. “Não há ministro da Presidência no Governo e Passos Coelho precisa de um”, sublinhou, para depois acrescentar que o primeiro-ministro deve “encontrar um a sério”. Apesar de considerar que o Governo “tem um buraco” no cargo ocupado por Miguel Relvas, Marcelo Rebelo de Sousa diz que Passos Coelho “vai tentar o mais possível resistir a remodelar o Governo” até às eleições autárquicas de 2013.
Para o comentador político, “quando quer que seja a remodelação”, há dois antigos ministros do PSD que poderiam ocupar as funções que Miguel Relvas desempenha no Governo, como braço-direito de Passos Coelho: Nuno Morais Sarmento, ministro da Presidência dos governos de Durão Barroso e Pedro Santana Lopes, e Luís Marques Mendes, por ter sido ministro-adjunto de Cavaco Silva e ministro dos Assuntos Parlamentares de Barroso. E diz que este tem a vantagem de ter ocupado aqueles dois cargos governamentais, de ter sido líder do PSD e de “conhecer o que é a coordenação política”.
A mim isto deixa-me perplexo: então já discute o sucessor, entre as próprias hostes do PSD, e ainda o “cadáver” está quente?
HÁ 10 ANOS ESCREVIA
«Às vezes são pequenas grandes coisas. No meio do zero quase absoluto de um programa, surge um pequeno detalhe, uma frase, uma pessoa que acaba por salvar o cômputo geral. Neste caso foi no “Herman SIC”, (…) quando o bocejo já se fazia sentir e muito, entra em cena uma mulher. Leonor Matos de seu nome. E não era artista, nem cantora: estava ali porque era mãe. Não uma mãe qualquer, (…) uma mãe cujo filho desapareceu em Angola quando foi visitar o pai. Desde então, notícias não as houve. A própria Leonor Matos já foi a Angola, já fez os impossíveis. Do filho é que não tem notícias.
(…) E nós, que assistimos ao programa – a este e a todos aqueles em que Leonor Matos já esteve com a sua angústia – franzimos o sobrolho, demos um jeito ao canto da boca e pensámos todos o pior. Todos, menos aquela mãe. Que as mães são feitas de uma outra matéria. A verdade é que este país não teve capacidade diplomática para trazer de Angola um adolescente, mal ou bem, de forma a fazer finalmente descansar esta mãe – mesmo que fosse para lhe começar um outro tormento, ainda mais definitivo.»
(Este bloco respeita a grafia em uso no ano em que foi escrito.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, página 7 da edição n.º 3945 de 20 de Junho de 2012