Desgraças por quase todo o lado
Bernardo de Brito e Cunha
DISSE OU NÃO que a canção (?) de Emanuel ganharia o Festival RTP da Canção? Disse e voltaria a repetir. A canção não era nem isso, mas era igualzinha aos últimos temas do compositor (?): até diria que as letras de umas caberiam nas músicas das outras, mas isso já sou eu que gosto de dizer coisas. É profundamente lamentável que levemos à Dinamarca (ou nem que fosse à Baixa da Banheira) uma coisa assim. E reparei que quando Emanuel foi receber o seu prémio e foi vaiado por muitos dos ocupantes do Convento do Beato, ele se limitou a dizer “sou um compositor de sucessos, um profissional há 20 anos”. Não sei como uma pessoa que faz canções iguais, ano após ano, se auto-intitula “compositor”. Mas isso será com ele e a sua consciência… se a tiver. O resto fica para os anais do festival RTP da Canção que, felizmente, tem bastante mais de que se orgulhar.
NÃO SE ENTENDAM estes próximos períodos como um gosto pessoal de estar a dizer mal de pessoas só porque elas são de idade e já se deviam ter reformado há muito. Veja-se o caso de Ruy de Carvalho e tomáramos nós tê-lo por cá muito tempo. Para além do mais, essas pessoas de idade, artistas ou afins, têm as mais das vezes reformas muito reduzidas que não lhes deixam outra alternativa que não seja o continuar a trabalhar para além dos limites do razoável. Mas há casos em que as pessoas se sentem bem, a saúde está benzinho e, trabalhando, continuam a sentir-se úteis. A culpa de “Camilo Presidente” estar no ar, antecedida das palavras “episódios inéditos” não será certamente de Camilo de Oliveira, mas da SIC, que pensou que aquilo era um achado, não sei bem em que sentido, mas um achado. Na realidade, o “achado” revelou-se uma desgraça, coisa sem graça, com Camilo (lamento dizê-lo) nos seus piores momentos – razão pela qual os episódios devem ter ficado de fora e agora foram recuperados como “inéditos”. Malhas que o império tece – e também o acordo milionário que a SIC fez com Camilo há uns anos e que agora tem de render o juro apropriado. Talvez o próprio Camilo nem saiba o que se está a passar, o que não me admiraria nadinha.
VOLTOU O “Aqui Não Há Quem Viva”, esse magnífico programa humorístico em que a SIC é mestre, só que agora aos sábados de manhã, em confronto directo com essa recriação nacional, bem melhor por sinal, que é o “Inspector Max”. Não há quem viva, diz o título, mas a verdade é que não há quem queira ver. É triste, mas é assim. A SIC não tem nada para passar? Tem, com certeza. Tem, quanto mais não seja, a reposição de “A Viúva do Enforcado”. Depois disso, é verdade, as coisas começaram a baixar de nível: mas ao menos isso. E a reconstituição do 25 de Abril, feita ao minuto, passada há largos anos? Os quarenta anos da data não seriam motivo para voltar a exibi-la? Não: toda a gente vai tentar passar o filme de Maria de Medeiros sobre o evento e pronto. Também não vale a pena pensar no “Gosto Disto!” ou em “Os Vídeos Mais Loucos do Guinness World of Records”: são duas estopadas sem nome, uma delas no ar há (muito) mais tempo do que devia e a segunda ainda recente – mas a não prometer nada de bom.
JÁ TENHO a minha quota-parte das reportagens de Vítor Bandarra. Já tenho o suficiente. Já dei para elas. Já estou farto, já sei como acabam mesmo antes de saber de que tratam. Isto diz pouco das reportagens de um homem? Eu acho que diz muito. Que diz demasiado.
ESTA É A MINHA crónica n.º 800 para este jornal: gostaria que um número tão redondo pudesse ter trazido coisas mais bonitas e, sobretudo, que fossem sinais de elevação da televisão, ou das televisões, que temos. Lamento não ter sido possível: mas garanto que não foi por não me ter esforçado.
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«Não estaremos longe da verdade se dissermos que esta semana que passou foi dominada pelos atentados bombistas em Madrid, na última quinta-feira, com efeitos prolongados para domingo, dia de eleições gerais em Espanha – como se os atentados tivessem deixado uma outra bomba, com pavio mais longo, que só “rebentaria” na noite de domingo. Em relação às bombas, as verdadeiras que causaram mais de 200 mortos e milhares de feridos, estamos mais ou menos conversados e de acordo: atentados contra vítimas inocentes não é método que se possa aceitar. Mas igualmente canalha é o aproveitamento que se pode fazer de situações desse género. E foi essa a argolada cometida pelo executivo espanhol, ao garantir (apesar dos desmentidos e protestos) ser a ETA a responsável pelas bombas. Em poucas horas se viria a descobrir que isso não era verdade, que havia outros a reivindicá-las. Pareceu-me logo que isto era um meter o pé na poça de todo o tamanho. A que se acrescentou a manifestação “espontânea” de sábado, frente à sede do PP, o partido do ex-Governo. Sabe-se agora que essa “espontaneidade” toda se ficou a dever a SMS via telemóvel mas, mesmo assim (o espontâneo é secundário), isso viria a revelar-se um perigoso iceberg – com o PP a fazer o papel de Titanic.»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4019 de 21 de Março de 2014.