Semanário Regionalista Independente
Sábado Maio 4th 2024

“BBC – As Crónicas de TV”

Cultura, ilegalidades e enganos

Bernardo de Brito e Cunha

VAMOS, FINALMENTE, tentar dar a esta coluna um ar de sabedoria e cultura. Já não era sem tempo, ao fim de 800 crónicas… Adiante. Citemos então, para começar, um grego sabedor, de seu nome Aristóteles. Disse ele que “A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça”. Não é difícil concordar com ele. Mas depois, num outro país que é o nosso, assistimos a banqueiros cujas multas são perdoadas, outros cujos julgamentos estão prestes a prescrever e, então, teremos de mostrar alguma simpatia por Thomas Eliot (mais conhecido por T.S. Eliot, mas quem quer usar um nome do meio que é “Stearns”?), que na obra “Morte na Catedral” garante que “Infelizmente há momentos em que a violência é a única maneira de assegurar a justiça social”. Eliot não era um autorzeco qualquer: foi Prémio Nobel da Literatura em 1948. E a sua afirmação (e não esqueçamos que ele a precede de um “infelizmente”…) corresponde, de facto, àquilo que sentimos e de que nos dá vontade quando assistimos aos exemplos que descrevi acima. Radical? Talvez. Mas este mundo tem de dar uma grande volta…

VEM ISTO a propósito da notícia sobre a secretária de Estado da Defesa, Berta Cabral, que recebeu ilegalmente quase 20 mil euros em senhas de presença enquanto presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, segundo o Tribunal de Contas. Estes números constam de uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC), o qual concluiu existirem 18 autarcas de cinco municípios da ilha de São Miguel que receberam quase 400 mil euros ilegalmente nestas senhas de presença. As verbas foram pagas pela Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM), que pagou ainda mais 10 400 euros a autarcas que faziam parte, em simultâneo, da assembleia intermunicipal e do seu conselho de administração. O TdC, além de recomendar a devolução das verbas em causa, sustenta que esses pagamentos ilegais são “susceptíveis de gerar responsabilidade financeira sancionatória”. A polémica em torno das senhas da AMISM é conhecida desde Janeiro de 2013, quando o TdC determinou a realização da auditoria. Eu não entendo isto, sinceramente: as pessoas são eleitas ou nomeadas para determinados cargos e depois ainda recebem uma quantia qualquer porque aparecem para exercer esse cargo? Ora haja dó!!

QUASE TODOS os jornais noticiaram coisas como “Júri de ‘The Voice Portugal’ confunde Pedro Abrunhosa com concorrente Miguel Correia”. Não só os jornais mas também Jorge Gabriel, que no dia seguinte recebeu o concorrente no “Portugal no Coração” com as palavras “mas o júri estava a dormir?”. Não foi isso que se passou e, se eu fizesse parte dos jurados, teria feito o mesmo. E é fácil explicar porquê. O jovem Miguel Correia, que tem um tom de voz grave, muito semelhante ao de Abrunhosa escolheu, para a sua prova, um tema de… Abrunhosa. Ninguém ficou com a ideia do que ele poderia valer, a não ser que parecia ser o próprio cantor. O erro foi de Miguel Correia e foi-o do ponto de vista táctico, porque escolheu o intérprete errado: toda a gente ficaria com dúvidas se ele saberia cantar outras coisas ou se se limitava a ser um mero imitador de Abrunhosa e nada mais. Eu também o teria “chumbado”, não pela voz, mas pela escolha do tema e do intérprete.

HÁ DEZ ANOS ESCREVIA

«Com a falta de pontualidade que a caracteriza, a RTP pôs no ar, durante a outra semana, uma série de pequenos programas intitulada “A Caixa que Mudou Portugal”. O programa referia-se obviamente à RTP e aos 47 anos que festejou no dia 7 de Março – que ainda por cima é dia de santo do meu apreço. Portanto a série de programinhas começa por chegar com duas semanas de atraso, mas não apenas com esse problema temporal. “A Caixa que Mudou Portugal” trouxe o carimbo das produções JIP (que é como quem diz Júlio Isidro Produções), a apresentação de Júlio Isidro, até mesmo a figura de Isidro recolhida naquela descida aos arquivos, e a promoção da RTP a explicar que a presença de Júlio era indispensável, pois ele era quase do tempo da fundação. Da televisão, naturalmente, e não da nacionalidade.
Não tenho nada contra este tipo de regresso ao passado, desde que seja bem feito. Acontece, no entanto, que este não foi: houve ali uma falta de timing muito grande, com excertos minúsculos de alguns programas que fizeram história. É certo que seria muito difícil fazer encaixar 47 anos de história da televisão portuguesa em cinco programas de meia hora: mas então, caramba, se o resultado é para ser aquele, então o melhor é nem o fazer de todo!»

(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)

Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4021 de 4 de Abril de 2014

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