Semanário Regionalista Independente
Quinta-feira Abril 25th 2024

O COLAPSO DE DETROIT ENVERGONHA OS EUA

José Jorge Letria

Detroit foi, durante mais de um século, um exemplo da pujança industrial dos Estados Unidos, sobretudo na área da produção de automóveis. Era, de resto, conhecida, por Motor Town (a cidade motorizada). Assim se transformou, ao longo de décadas, na cidade mais populosa do Estado do Michigan, com uma assinalável coabitação étnica, que ia, e ainda vai, dos afro-americanos, aos hispânicos e aos asiáticos.
O tempo de glória parece ter terminado de vez. Após a grave crise financeira nacional e global iniciada em Wall Street em 2008, que deixou o mundo à beira do abismo, Detroit transformou-se numa verdadeira cidade-fantasma. Perdeu um número significativo de habitantes, ficou com as prisões ainda mais superlotadas e viu bairros inteiros e zonas de comércio a desertificarem-se. Deste modo, o “american dream” transformou-se num verdadeiro pesadelo, num horizonte de chumbo. Sobre a morte anunciada de Detroit, que também foi um poderoso centro nacional da “soul music” com editoras como a “Tamla Motown”, fizeram-se documentários e debates, mas foi sem orgulho e com de vergonha e embaraço que a Administração norte-americana teve de reconhecer este clamoroso fracasso do seu modelo de organização económica.
Entretanto, o inevitável aconteceu: Detroit declarou pela voz do seu presidente de câmara o estado de bancarrota, com uma dívida superior a 15 mil milhões de dólares. Sendo um político profissional, o “mayor” da cidade veio declarar publicamente que este é o momento para fazer renascer a esperança com novas perspectivas de crescimento e desenvolvimento mais adequadas à realidade. É isto que os políticos costumam fazer quando nada mais lhes resta fazer ou dizer e quando entra em colapso modelo político, económico e organizativo pelo qual são responsáveis.
Detroit, a par de New Orleans, em cuja recuperação a Administração Bush falhou clamorosamente depois da devastação provocada pelo furacão “Katryna”, são dois bons elementos da fragilidade que o mais poderoso país do mundo pode evidenciar quando o seu excesso de autoconfiança é traído pela realidade e pelas contradições que lhe minam o sistema económico e social.
Ninguém duvida da solidez da democracia norte-americana, mas este modelo político e económico, que é a alma do capitalismo, demonstra que a democracia política só é verdadeira democracia se for também democracia económica e social. E é justamente aí que tudo se complica, porque as assimetrias sociais são cada vez mais acentuadas na pátria de Thomas Jefferson e dos restantes “pais fundadores”. Quem visitar as grandes cidades norte-americanas constata que tem aumentado consideravelmente o número de excluídos sociais, que só encontram respostas no álcool, na droga e na criminalidade. Pensando em Detroit, é tempo de os Estados Unidos de Barack Obama tornarem a sua democracia política, mas justa, mais solidária e mais respeitadora dos direitos individuais que a sua famosa Constituição consagra.
Casos como o de Detroit talvez revelem que há um modelo civilizacional assente no lucro pelo lucro e no crescimento industrial pelo crescimento industrial que está a chegar ao fim e, com ele, a ilusão de que o “ter” é mais forte que o”ser” e que socialmente só se torna influente quem conquistou riqueza e influência social através dela.
Entretanto, não esquecemos que a crise global que o mundo enfrenta, sem perspectivas de saída, teve origem, em Wall Street, na ganância de homens e mulheres integrados num sistema financeiro de rapina. Uma boa parte deles foi recuperada e reintegrada pela Administração Obama, com responsabilidades de peso. E isso não é facto que se esqueça, sobretudo quando Detroit se afunda.

Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 3991 de 26-7-2013

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