Passos Coelho e a (in)segurança social
Bernardo de Brito e Cunha
NÃO se tem falado noutra coisa e, para as televisões, o facto de o jornal “Público” ter divulgado que o primeiro-ministro não fez os descontos para a Segurança Social durante cinco anos, tem sido um pratinho cheio. Até Marcelo Rebelo de Sousa, conhecido social-democrata, se mostrou no último domingo perplexo, tanto com o facto de Pedro Passos Coelho ter acumulado essas dívidas durante cinco anos, como por ter decidido pagar uma dívida que já estava prescrita: “Isto para mim é chinês, não percebo. Uma pessoa para pagar os impostos não precisa de ser notificada para pagar. Sabe que tem de pagar. Não pagou, ponto final, parágrafo. Durante cinco anos não pagou”, disse Marcelo no seu habitual comentário na TVI, atribuindo a falha do actual primeiro-ministro a um esquecimento.
PASSOS COELHO afirmou que nunca foi notificado da dívida, criada entre 1999 e 2004, e que esta prescreveu em 2009, facto de que diz ter tomado conhecimento em 2012. Apesar disso, adiantou perante as câmaras de televisão que o seguiam numa visita ao Salão Internacional do Sector Alimentar e Bebidas, que pagou já este mês, voluntariamente, cerca de 4 mil euros, depois de ser questionado pelo jornal. O antigo líder do PSD mostrou ainda a sua perplexidade com este pagamento por parte do primeiro-ministro. “Como é que se paga voluntariamente uma dívida prescrita? Se a dívida prescreveu, prescreveu. Não há dívida. Como é que alguém recebe uma dívida prescrita? Aparentemente pagou quando começou a investigação”, acrescentou o comentador social-democrata. E interrogo-me eu: quem, em seu perfeito juízo, se apressa a pagar uma dívida que prescreveu? Consciência pesada? Uma questão de exemplo? Qualquer delas parece vir tarde e nenhuma bate certo: sobretudo porque Passos Coelho afirmou que “Não tinha consciência naquela altura de que tinha de pagar, pensei que era opcional”. Estranho, para uma lei que ele próprio votou como deputado…
OUTRA das perplexidades referidas por Marcelo Rebelo de Sousa foi a explicação de Pedro Mota Soares, ministro da Segurança Social, que disse que Passos Coelho foi “vítima de erros dos serviços” e que “107 mil portugueses foram vítimas da própria administração”. E também Marcelo se questionou: “Houve 107 mil pessoas que durante aqueles cinco anos não pagaram?”, perguntou com surpresa o comentador da TVI. E embora não considere que seja um caso para pedir a demissão ou que provoque um “enorme rombo” na eleições, Marcelo não hesitou ainda em qualificar este caso como “negativo” para Passos Coelho, “mesmo pagando voluntariamente quando percebeu que tinha de pagar ou entendeu que devia pagar”. E deixou ainda outra crítica: “Como é que é possível em Portugal, as pessoas irem para primeiro-ministro e não haver uma investigação cuidadosa daquilo que pagaram e não pagaram de impostos e de segurança social anteriormente?”
MAS o jornal “Público” e o jornalista José António Cerejo, que revelou o caso, não o querem largar assim tão rapidamente. E na última terça-feira voltaram ao ataque: parece que a dívida acumulada por Passos Coelho à Segurança Social, entre 1999 e 2004, foi afinal de 5016 euros, o que representa mais 74% do que os 2880 euros que o primeiro-ministro disse ter pago no mês passado. Se em vez deste valor, acrescido dos juros de mora no montante de 1034 euros, Passos Coelho tivesse liquidado os 5016 euros, mais os juros de mora contabilizados até Fevereiro de 2015, o total pago teria sido de mais de 8000 euros, e não de 3914 euros… A classe política anda pelas ruas da amargura, é o que é. As minhas dívidas é que nunca prescrevem, infelizmente: e os serviços do Estado estão sempre à coca das minhas contas. Caramba, que é azar!
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«No último domingo, 27 de Fevereiro, estreou no canal público o espaço de opinião “As Escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa”. O programa, que marca o regresso dos comentários do professor Marcelo às noites de domingo da RTP, atingiu uma audiência média que não surpreende. (…) Na primeira emissão do programa, Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha à sua frente a jornalista Ana Sousa Dias, começou o seu “show” apanhando Ana de surpresa: gabou-lhe o novo corte de cabelo (pareceu-me ver nela uma ligeira coloração…), e perguntou pelas preferências da acompanhante para os Óscares dessa madrugada. Depois fez as suas recomendações literárias e musicais e falou sobre as características da personagem da semana, João Paulo II. Comentou as últimas notícias referentes à crise do Médio Oriente, o facto de Lisboa ser a nona grande cidade mais velha da Europa e resumiu as diferentes conclusões, segundo o seu ponto de vista, que o Partido Socialista pode tirar após as últimas eleições legislativas.»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra Digital de 6-3-2015