Que faremos sem os inventores da Democracia?
Bernardo de Brito e Cunha
FOI ASSUNTO durante meses a fio, pelo que não sei se será preciso lembrar que, ao longo dos últimos cinco anos, a União Europeia e o FMI impuseram à Grécia uma austeridade sem precedentes – bem pior do que a nossa – e que fracassou totalmente. A economia encolheu 26%, o desemprego aumentou para 27%, o desemprego dos jovens para 60% e o rácio da dívida em relação ao PIB passou de 120% para 180%. A catástrofe económica conduziu a uma crise humanitária, com mais de 3 milhões de pessoas na ou abaixo da linha de pobreza. Sem falar no número de suicídios, que disparou.
NESTE CONTEXTO, o povo grego elegeu, a 25 de Janeiro, um governo liderado pelo Syriza, com um mandato claro para pôr fim à austeridade. Nas negociações que se seguiram, o governo deixou claro que o futuro da Grécia é na zona euro e na UE. Os credores, no entanto, insistiram na continuação da sua receita falhada, recusaram-se a discutir uma reestruturação da dívida – que o próprio FMI reconhece como sendo inviável – e, finalmente, a 26 de Junho, emitiram um ultimato à Grécia através de um pacote inegociável que consolidaria a austeridade. Seguiu-se uma suspensão de liquidez aos bancos gregos e a imposição do controlo de capitais.
NESTA SITUAÇÃO, o governo pediu ao povo grego que decidisse sobre o futuro do país num referendo a ser realizado no próximo domingo. E eu, como muitos, acredito que este ultimato à democracia e ao povo grego deve ser rejeitado. O referendo grego dá à União Europeia uma oportunidade de reafirmar o seu compromisso com os valores do Iluminismo – igualdade, justiça, solidariedade – e com os princípios da democracia sobre os quais assenta a sua legitimidade. O lugar onde nasceu a democracia dá à Europa a oportunidade de reassumir o compromisso com os seus ideais no século XXI – mas receio que isso não venha a acontecer.
MAS ESTRANHAMENTE, no referendo em que a Grécia decidirá sobre a proposta dos credores de mais austeridade para os próximos anos, os comunistas gregos já decidiram que, alinhados com os 18 países que restarão se a Grécia sair, segundo as palavras e aritmética de Cavaco, irão fazer campanha pelo voto nulo. Os militantes do KKE são chamados a fazerem download e a copiarem um boletim de voto alternativo que contém um duplo ‘Não’ – “ao memorando da troika e ao memorando do Syriza” – que deverão introduzir na urna no próximo domingo. O que, não sendo um boletim “a sério”, equivalerá a um nulo. É pôr-se um bocadinho de lado na História, ou só eu é que acho?
SEGUNDO O SITE do órgão de informação dos comunistas gregos (e contra a opinião dos economistas Paul Krugman e Joseph Stiglitz, ambos distinguidos com o prémio Nobel, que defenderam que os gregos devem votar “não” no referendo, considerando que, sem mais medidas de austeridade, podem ter esperança no futuro), uma vitória do ‘Não’ no referendo significaria “um Sim ao memorando do Syriza e um Sim à escalada da agressão contra o povo” – arrevesados como sempre, desde há umas décadas… Por outro lado, se o ‘Sim’ vencer no domingo, o KKE poderá congratular-se com o contributo dado para a saída do Syriza do governo, cenário que Tsipras não afastou na entrevista desta segunda-feira à televisão pública. Recordemos que, já no passado sábado, o KKE votou contra o referendo, ao lado dos partidos apoiantes da proposta dos credores. Os comunistas gregos sempre defenderam a saída do euro e da União Europeia e nos últimos anos elegeram o Syriza como o inimigo principal.
E DEPOIS tivemos os nossos miúdos – e miúdos é favor, que grande parte deles joga como gente grande – a serem eliminados nos penaltis na final do campeonato da Europa de sub-21. É uma das sinas que, recorrentemente, nos perseguem, mas julgo que esses “miúdos”, como lhes chamei, deram uma grande lição aos jogadores da selecção principal. Estes não ganham os milhões que muitos dos outros ganham, mas jogaram muitíssimo mais. E só isso os deve deixar felizes. E, vá lá, ser-se vice-campeão não é de deitar fora: significa que se esteve na final e é motivo de orgulho.
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«No canal público estreou uma coisa sem gracinha, apresentado por Pedro Miguel Ramos e Merche Romero, que dava pelo nome de “Noites de Verão”. Tratava-se, certamente, de uma espécie de homenagem a Eládio Clímaco e aos “seus” famosos “Jogos sem Fronteiras” – embora sem meter provas aquáticas, que o país sofre uma seca generalizada. Eu julgo – falo por mim, principalmente – que já não há muita paciência para este tipo de coisas: tal como me parece que os dois jovens, que devem certamente ter outras capacidades (que desconheço, confesso, mas a minha fé na raça humana tem um peso considerável) não nasceram propriamente para apresentadores. E mesmo que as tenham, olho para os dois e lembro-me sempre do que Álvaro de Campos dizia de si próprio: “serei sempre o que só tinha qualidades”. Olho para os dois e penso que podem ter qualidades – mas que não as põem em prática. Quem tem paciência, digam-me, para passar uma noite a ver gente a atirar ovos cozidos para que outra gente os apanhe?»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4078/79 de 3 de Julho de 2015

