Semanário Regionalista Independente
Quarta-feira Abril 24th 2024

“BBC – As Crónicas de TV”

Não é bem o coração, é outra coisa

Bernardo de Brito e Cunha

TAL COMO já tivemos em tempos um canal de televisão cujo (quase) lema era “novela contra novela, telejornal contra telejornal”, também a TVI, desde a implantação dos reality shows, há quase 16 anos (o primeiro Big Brother estreou em Setembro de 2000 e acabou no final do mesmo ano) não deixou de bater nessa tecla. A palavra mais exacta seria, talvez, “matraquear”, dado que tem sido reality atrás de reality, e sempre com características mais fortes e por vezes dramáticas, desde sempre com o sexo a passar de subliminar a descarado e, porque não dizê-lo, a cada vez um pouco mais sujo. Deixou de ser “a vida em directo”, como numa determinada altura se chegou a querer fazer passar por slogan, para passar a ser “o engate em directo”. Não gosto, sobretudo porque já sei como vai terminar: mais uma casa estragada.

E NESTAS coisas de “paixões”, nunca me esqueço de uma passagem de “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queiroz, que o escritor colocou exactamente a meio do romance – obviamente para que me fosse mais fácil encontrá-la, quando dela precisasse. Para quem cometeu o pecado de nunca ter lido: o alvo do pecado de Amaro é Amélia, por quem João Eduardo se apaixona. Este, em desespero, decide consultar o doutor Gouveia (que já lhe curara uma pneumonia) e queixar-se do “poder” que o padre tem e que o impede de chegar à jovem. O diálogo final entre o apaixonado e o médico, depois deste lhe ter explicado que o padre, sendo um homem, tem “vantagens” com que ele, João Eduardo, não pode competir (“Que queres tu? Ele tem para as mulheres, como homem, paixões e órgãos; como confessor, a importância de um Deus. É evidente que há-de utilizar essa importância para satisfazer essas paixões; e que há-de cobrir essa satisfação natural com as aparências e com os pretextos do serviço divino… É natural.”) é notável e tem muito a ver com o programa “Love On Top” da TVI: “— Isso é bom de dizer, senhor doutor, mas quando a paixão está a roer cá por dentro!…
— Ah! – fez o doutor -, é uma bela e grande coisa a paixão! O amor é uma das grandes forças da civilização. Bem dirigida levanta um mundo e bastava para nos fazer a revolução moral… — E mudando de tom: — Mas escuta. Olha que isso às vezes não é paixão, não está no coração… O coração é ordinariamente um termo de que nos servimos, por decência, para designar outro órgão. É precisamente esse órgão o único que está interessado, a maior parte das vezes, em questões de sentimento. E nesses casos o desgosto não dura. Adeus, estimo que seja isso!”
Parece-me que o “Love” da TVI é mais isto: não é bem o coração, é outra coisa.

PASSOU, mais ou menos obscuramente, na TV por cabo (infelizmente) uma série britânica da BBC, chamada “O Gerente da Noite”. É uma história baseada num romance de John Le Carré e, também infelizmente, que continua a ser extremamente actual. O romance é do início da década de 90, passa-se na série nos nossos dias, mais coisa menos coisa, e trata de um homem que é um traficante de armas para as zonas mais quentes do mundo: Balcãs, Médio Oriente, o costume. O traficante de armas (que as exporta como alfaias agrícolas) é o nosso conhecido Dr House, o actor, músico e humorista Hugh Laurie e o gerente da noite acaba por ser contratado pelos serviços secretos britânicos (a parte dos serviços britânicos que não está comprada por Roper, é esse o seu nome) para desmascarar a tramóia toda. É uma mini-série de seis episódios e, se a padroeira da televisão, quem quer que ela seja, quiser, talvez um dia destes passe em canal aberto. Estejam atentos.

HÁ DEZ ANOS ESCREVIA

«Mas aquilo que vos confesso é que, como muita gente, não leio as letras mais miúdas dos contratos. E não li as do contrato que fiz com a TV Cabo, para fornecimento de um pacote de canais básico. Mas supõe-se que quando assino um contrato desses, o faço pelo interesse que esses canais me despertam. Assim sendo, não sei que legitimidade terá a TV Cabo para trocar um canal por outro. Ou, dito de outra maneira, parece-me que essa troca só poderá ter lugar quando o espectador ficar, sem a mínima sombra de dúvida, beneficiado com a mudança. Explicado de uma forma excessiva, digamos que não faria muito sentido eu assinar o pacote dos canais de cinema Lusomundo, para amanhã a TV Cabo substituir alguns deles por outros canais. E se eu conheci Marília Gabriela, de quem se diz ser a melhor entrevistadora do Brasil, ao canal GNT o fico a dever.»

(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)

Crónica publicada no Jornal de Sintra, edição n.º 4114/4115 fr 22 de Abril, 2016

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