Aventuras (divertidas) pelo tempo
Bernardo de Brito e Cunha
Diga-se o que se disser, a verdade é que a RTP (qualquer um dos seus canais) nos vai mostrando, nem sempre com assiduidade, é certo, uma ou outra boa surpresa. Recordo como o ano passado abriu o mês de Janeiro com uma série a todos os títulos impressionante, “Terapia”, baseada num texto americano que, por sua vez, já era uma adaptação de uma série israelita. Dela se falou aqui na altura. Desta vez, está a mostrar-nos uma série intitulada “O Ministério do Tempo”. Mais uma vez, foi buscar ao estrangeiro uma série para adaptar (mais perto, desta vez: a Espanha) o que nos poderia levar a pensar que há uma grande falta de guionistas para televisão – engano, e dos grandes, como se vai ver.
Cena geral e comum às duas versões: o Ministério do Tempo é uma instituição autónoma e secreta que depende directamente do chefe do Governo. Como nos Estados Unidos se guardam os segredos e a chave para um possível ataque nuclear de presidente para presidente, o mesmo se passa com este Ministério: apenas reis, presidentes e um número reduzido de pessoas sabem da sua existência. Por que razão existe um Ministério destes? Para que não possam acontecer no passado alterações aos factos e que daí advenham mudanças no nosso tempo. Os agentes do Ministério são muitas vezes obrigados a viajar até ao passado para corrigir pequenas alterações. Um exemplo de um dos últimos episódios: alguém roubou parte de “A Mensagem” de Fernando Pessoa. O poeta não está disposto a escrever de novo os três poemas em falta e, portanto, decidiu não publicar aquele que foi/seria o seu primeiro livro. É preciso ir até 1934 e resolver o problema – ou nunca teríamos lido “A Mensagem”…
A viagem para outras épocas realiza-se através de portas vigiadas pelas Patrulhas do Ministério e o seu objectivo é detectar e impedir que qualquer intruso do passado chegue ao nosso presente – ou vice-versa – com o fim de utilizar a História para seu próprio benefício. Os protagonistas não são super-heróis, mas antes pessoas normais expostas a situações nada normais. No original espanhol temos Julian, um enfermeiro, Amelia Folch, a primeira mulher universitária na Barcelona de 1880, e Alonso de Entrerríos, um soldado que lutou na Flandres.
Na nossa versão, temos igualmente a primeira mulher a frequentar a Universidade, Amélia Carvalho, o medievo Afonso Mendes de Noronha e o jovem Tiago Silva. À medida que os episódios foram avançando foi necessário, por exemplo, “ir ter” com Luís Vaz de Camões para que ele não embarcasse no navio que lhe estava destinado – e perdesse a vida. Na sequência dessa aventura, Camões havia de ser contratado como agente. E quando é necessário ir conversar com Fernando Pessoa, também este acaba contratado por Salvador Martins, que comanda o Ministério. E quando lhe perguntam “Mas para que queremos nós o tímido?!”, Salvador responde: “Porque saiu barato. Com ele vem o Álvaro de Campos, o Ricardo Reis, o Alberto Caeiro e o Bernardo Soares. Cinco pelo preço de um!”
O humor está muito presente na série. Já no episódio de Camões o agente Tiago Silva cita uns versos ao poeta (“A vida vai torta, jamais se endireita…”) e quando Camões tenta adivinhar o autor, Tiago ri-se e diz-lhe: “Não, pá! Xutos & Pontapés!”. Este toquezinho de humor, tão essencial, fica a dever-se à equipa de guionistas da série portuguesa: Tomás Múrias (Coordenador), Pedro Marta Santos, António Costa Santos e Marta Coelho. Pelas provas aqui dadas, todos eles são verdadeiros guionistas e não meros adaptadores. O engraçado é que os títulos de todos os episódios têm a palavra “tempo” no seu nome. A série passa às segundas-feiras, logo a seguir ao “Telejornal”.
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«Estiveram por cá, no último domingo, duas equipas de reportagem, uma da CNN e outra da Al-Jazeera. O motivo prendia-se, naturalmente, com o Referendo sobre a despenalização do aborto. (…) E descobriram, não me perguntem como, que Jorge Sampaio voltara a ser presidente por um dia: desta vez, apenas presidia a uma mesa de voto, mas presidente mesmo assim. O próprio Jorge Sampaio ficou surpreendido com tanto movimento e espanto: “A Al-Jazeera? E também cá está a CNN?”, ter-se-á espantado. “Mas eu estou apenas a cumprir o meu dever cívico!” A verdade é que o cidadão Jorge Sampaio pode muito bem ter dado, mais uma vez, um exemplo aos restantes portugueses.»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra , edição de 10 de Fevereiro de 2017