Semanário Regionalista Independente
Domingo Dezembro 8th 2024

“BBC – As Crónicas de TV”

As estratégias de uns e de outros

 

Bernardo de Brito e Cunha

 

É fantástico o que dois meses e meio de pausa podem fazer a uma pessoa… Já não me lembrava desta crónica, do número de palavras, nada! A bem dizer, nem sabia se este jornal com 80 e tal anos voltaria a renascer das cinzas que pareciam ter tomado conta dele. Ainda bem que voltou, se bem que em condições mais precárias para os que aqui trabalham. Mas luta-se por melhor.

 

Neste período de ausência apenas se falou de covid-19, pandemia, confinamento, máscaras, gel desinfectante, eu sei lá. E das poucas vezes que saía à rua e via os passeios desertos e as lojas fechadas, só dava comigo a cantar os mesmos versos de uma canção dos Beatles, Good Morning Good Morning, onde às tantas se dizia everything is closed is like a ruin (tudo está fechado, parece uma ruína). Estes dois meses e meio foram uma mina para as estações de televisão, sobretudo para as que têm história: a RTP Memória foi a que melhor soube ir ao baú dos tesourinhos e desencantou preciosidades como MacGyver ou o incrível detective Columbo. A RTP2, que não quis ficar atrás, manteve alguma programação actual (ainda nesta noite em que vos escrevo exibiu um documentário evocativo da cantora francesa Barbara) ao mesmo tempo que foi ao cofre recuperar uma série humorística de grande sucesso nos anos 80, Doido por Ti. As aventuras do casal Buchman continuam, ainda hoje, a ser extremamente divertidas – pena só terem 23 minutos por episódio…

 

Estão fartos de saber que as minhas inclinações vão para as séries policiais e para as escandinavas – talvez porque nestas últimas eu não perceba uma palavrinha que seja. A série Aber Bergen, norueguesa, exibida pelo canal 2, que é a história de um casal de advogados e respectiva firma, tem como utilidade maior o já ter chegado à conclusão que não me apanham a viver naquela terra: todos eles, em maior ou menor quantidade, parecem não ter os cinco alqueires bem medidos e, caramba, como eles são frios… portanto, para mim não. Num dos canais do cabo estreou no início deste mês a série policial francesa Cassandre: a comandante Florence Cassandre, uma grande agente da polícia de Paris e uma citadina inveterada, vê-se obrigada a sacrificar a carreira pelo filho e assumir novas funções numa esquadra de província próxima dele, onde nada é tão eficaz e rápido como no Quai des Orfèvres. Contudo, os crimes de sangue cometidos em Annecy, a sua nova região, junto à fronteira com a Suíça, não são menos intrigantes nem complexos…

 

Trump, nestes dois meses e meio, continuou a fazer das suas: primeiro o covid não chegaria aos Estados Unidos, depois não passava de “uma gripezinha”, até chegar ao ponto em que aquele país já registou mais de 112 mil mortos. Para mais, a morte de George Floyd às mãos de um polícia de Mineapolis provocou protestos e manifestações a que Trump só soube responder com a ameaça de fazer avançar a Guarda Nacional. Há 12 dias que os protestos não param de se espalhar nos EUA e uma das razões para que assim esteja a ser é a forma como o Presidente tem lidado com a contestação social. Os protestos anti-racistas espalharam-se por todo o mundo e neste fim-de-semana milhares de pessoas marcharam contra o racismo e a violência policial em França, Alemanha, Reino Unido, Austrália, Coreia do Sul, Japão e Portugal. Em Roma, milhares de pessoas juntaram-se na Piazza del Popolo, e ajoelharam com os punhos erguidos durante oito minutos e 46 segundos — o tempo que dura o vídeo em que se vê George Floyd morrer com o joelho de um polícia em cima do pescoço. Liège e Bruxelas tiveram manifestações, com pessoas a subirem à estátua do rei Leopoldo II, associado ao colonialismo africano. Todos esses protestos mandando às urtigas o distanciamento social, ao contrário do que fez Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia: desde segunda-feira, a partir da meia-noite, os cidadãos daquele país podem regressar à vida normal, indo para o trabalho, convivendo, assistindo a espectáculos, divertindo-se, viajando. A primeira-ministra Jacinda Ardern anunciou que o país já não tem casos activos de coronavírus – e mantém-se fechado ao exterior. A última infecção foi detectada há 17 dias e a Nova Zelândia, uma nação do Pacífico com cinco milhões de habitantes, foi dos primeiros países a aplicar medidas rigorosas de controlo. Numa estratégia eficaz que valeu à primeira-ministra elogios da Organização Mundial de Saúde, a comunicação pública sobre o assunto foi rigorosa e transparente, com resultados positivos.

 

HÁ DEZ ANOS ESCREVIA

 

«E temos ainda essa obra-prima que é “Cidade Despida”, que a RTP exibe agora com grande esplendor e muita promoção. Nesta série que pretende ser uma série policial à americana, pontua a inspectora Ana Belmonte (Catarina Furtado). Ana Belmonte licenciou-se em Criminologia, no Porto, mas especializou-se em crimes em série nos Estados Unidos da América porque, como se sabe, é coisa que cá não temos.»

 

(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)

 

Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4300 de 12 de Junho de 2020

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