Esta série é candidata a Melhor do Ano!
Bernardo de Brito e Cunha
A série O Atentado, que passa na RTP1 às quartas-feiras, depois do Telejornal, tem algumas coisas que são absolutamente surpreendentes – das quais a mais inesperada será o facto de o seu autor ser Francisco Moita Flores, de quem tenho dito mal (quase) sempre que posso. E aqui estou agora, depois desta série, a bater com a mão no peito e a rasgar as vestes, qual David em Samuel 1:11… Mas também acho que “prantear e jejuar até ao fim da tarde”, como fez David, já será exagero… Outra dessas surpresas é a elegância da cinematografia de José António Loureiro que, embora a cores, nos dá um pouco a patine do preto e branco. Tanto, que nesta série realizada por Jorge Paixão da Costa, tenho estado sempre à espera de ver entrar em cena Francisco Ribeirinho, António Silva ou Barroso Lopes…
A série, que é baseada em factos verídicos, passa-se no Verão de 1937, quando o Estado Novo atingiu o apogeu e Salazar governa em Ditadura. Agostinho Lourenço (António Pedro Cerdeira, num registo completamente diferente daquilo a que nos habituámos a vê-lo), chefe máximo da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (antecessora da PIDE), construiu as principais armas para perpetuar o poder do ditador: a continuada repressão levou à criação do campo do Tarrafal, em Cabo Verde, onde estão exilados os principais dirigentes da oposição, com especial incidência para membros e simpatizantes do Partido Comunista.
É neste contexto que é desferido um portentoso ataque à bomba contra Salazar, preparado com enormes cautelas e um grande segredo, com dinamite que alguns elementos foram comprar a uma mina na região de Serpa… Mas um erro de cálculo, na detonação da bomba, frustrou o atentado contra o presidente do Conselho, quanto este se dirigia à capela de um amigo para assistir a uma missa. A explosão na Rua Barbosa do Bocage foi violenta (destruiu grande parte do quarteirão), mas não chegou, sequer, a ferir Salazar. As coisas não correram bem para os autores do atentado, dado que deu início a uma caça ao homem, nomeadamente anarquistas e comunistas, caça essa em que vem ao de cima a rivalidade entre as diversas polícias do regime, nomeadamente a PJ e a PVDE. Mas afinal quem foram os responsáveis? Isso ficará lá mais para o fim.
Esta série, de dez episódios, baseia-se em factos reais: a informação mais substancial foi recolhida no próprio Processo-Crime onde se investigou o ataque à bomba contra Oliveira Salazar e que revela as voltas e reviravoltas da investigação contaminada pelo ódio político. A maioria dos personagens são reais, outros nem tanto e nasceram de uma necessária dramatização ficcional para poder encadear os factos.
E se já referi a mudança de registo de António Pedro Cerdeira, convém igualmente referir outros personagens. São os casos de muitas caras que nos habituámos a ver principalmente em novelas, como Tomás Alves, Tiago Aldeia, Gonçalo Botelho, Anabela Moreira, Pedro Lamares (num papel muito divertido: Carolino não pára de rezar terços e avé-marias e de manifestar o seu amor a Salazar), Miguel Damião, Elmano Sancho (no papel do militante anarquista Emídio Santana, que testemunha a Guerra Civil de Espanha) ou Joaquim Nicolau, entre muitos outros. Sem esquecer Lúcia Moniz, que tem participado em diversas séries e filmes e que aqui tem o papel de responsável por uma célula comunista da região de Lisboa.
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«Há muito tempo que não via o “Contra Informação”. Para ser mais sincero ainda, até julgava que o programa tinha acabado. Foi com alguma surpresa que, no domingo, me deparei de novo com ele. E, confesso, há muito tempo que não me ria tanto – porque não tenho tido motivos para isso. Principalmente com a apresentação do filme “O Livro do Desassossego” que, no fundo, era mais o “O Livro do Orçamento de Estado” com José Trocaste a fazer o papel de Bernardo Soares. As frases do livro de Fernando Pessoa encaixavam perfeitamente no tema do Orçamento e foi um grande trabalho por parte da equipa do “Contra”.»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4314 de 16 de Outubro de 2020