1.º de Maio Dia do Trabalhador – A luta dos três oitos
Fernando Abreu*
A 1 de Maio comemorou-se mais um aniversário do Dia do Trabalho e dos Trabalhadores. Comemoração indissociável do Movimento Operário e da luta milenária dos trabalhadores pela dignificação do trabalho e pelo reconhecimento dos seus direitos.
Em tempos de manipulação do apelo do Movimento Operário «Trabalhadores de todo o Mundo uni-vos» para publicitarem: «Trabalhadores de todo o Mundo… ligai-vos à Internet», fará sentido recordar e celebrar o 1.º de Maio? Hoje, como no passado, há legiões de explorados, marginalizados e excluídos. Para estes e para quantos não se renderam ao mito do «fim da história», a celebração do 1.º de Maio continua e continuará a manter viva a chama da esperança na edificação de uma sociedade mais justa, mais solidária e mais humanizada. Lembramos, pois, nesta data todos quantos, no passado e no presente, deram e dão a vida ao sindicalismo e a todas as expressões culturais, económicas e sociais do Movimento dos Trabalhadores.
As origens do 1.º de Maio
A ideia de celebrar o dia 1.º de Maio nasce em 1884, nos Estados Unidos, no Congresso da AFL (Federação Americana do Trabalho) ao decidir reivindicar a jornada das oito horas de trabalho para o dia 1 de Maio de 1884. Na véspera ampliava-se a agitação operária. É lançada, então, a histórica palavra de ordem «A partir de hoje nenhum operário trabalha mais de oito horas por dia. Oito horas de trabalho. Oito horas de repouso. Oito horas de educação. Dava-se assim início a uma luta que alastraria à Europa, à América Latina, África e Ásia.
Chegado o dia 1 de Maio de 1886 são anunciadas 5.000 greves. Pelas ruas desfilam mais de 300.000 grevistas. 600.000 grevistas envolvidos nesta acção conseguem a redução para as 8 horas. Mais de um milhão de trabalhadores passam a ser abrangidos por um acordo com o patronato que estipula a redução progressiva do horário de trabalho. Contudo, parte significativa do patronato em conluio com as autoridades políticas e policiais não se conformam e prometem retaliações. Na industrializada cidade de Chicago, onde as condições de trabalho eram extremamente duras, a luta prolonga-se e intensifica-se. Na sequência de um despedimento colectivo de 1.200 trabalhadores de uma fábrica de material agrícola muitos deles são substituídos por «fura greves» admitidos pela empresa, concomitantemente, com detectives particulares que ajudam as forças policiais a manter «a ordem». A 3 de maio, vários milhares de grevistas dirigem-se a essa fábrica e conseguem expulsar os «fura greves» mas são brutalmente reprimidos pela polícia e detetives privados.
Neste confronto morrem seis trabalhadores e cinquenta ficam feridos. No dia seguinte, e na sequência de nova manifestação, um desconhecido lança uma bomba que cai no meio das forças policiais. Estas aproveitam o incidente e massacram a multidão de manifestantes indefesos. No confronto, morrem oito polícias e um número indeterminado de grevistas. Segue-se uma onda de brutal repressão contra sindicalistas e ativistas anarco sindicalistas sendo feitas dezenas de prisões e oito sindicalistas são incriminados.
Em processo judicial viciado, com testemunhos falsos e jurados escolhidos pelos seus sentimentos anti sindicalistas, os oito incriminados são condenados à morte.
Um dos jurados declara publicamente o seu ódio ao sindicalismo e aos sindicalistas: «estes homens são muito dedicados, muito inteligentes e muito perigosos para os nossos privilégios». Dos oito condenados à morte, três verão a pena de morte comutada em prisão perpétua; um suicidou-se na prisão e quatro são enforcados em 1887 (após recusa do pedido de clemência). Em 1893 viria a ser reconhecido publicamente pelas autoridade de Ilinois a inocência dos sindicalistas, tendo o viciado processo sido classificado como um mero «erro judiciais» tendo sido declarada a inocência dos trabalhadores condenados e devolvidos à liberdade os que se encontravam encarcerados.
Internacionalização do 1.º de Maio
A luta pela jornada das 8 horas de trabalho e a repressão verificada foi determinante para o desenvolvimento do sindicalismo nos Estados Unidos, na Europa e em alguns países da América Latina, bem como para a ação dos partidos socialistas e marxistas bem como para a instituição do 1.º de maio como Festa do Trabalho e dos Trabalhadores.
A instituição do 1º. De Maio viria a ser aprovada nos dois Congressos Operários que reunidos, em Paris, entre 14 e 21 de Julho de 1889, nos quais, apesar das significativas diferenças ideológicas, foi aprovada a proposta de realização de Jornadas de Luta Pelas OITO horas. Data i sugerida no Congress0 dos Marxistas com o objetivo de que nesse dia “…seja organizada uma grande manifestação internacional de maneira que, em todos os países e em todas as cidades, os trabalhadores reivindiquem dos poderes públicos a redução da jornada de trabalho para oito horas – atendendo a que uma semelhante manifestação foi já decidida para o dia 1.º de Maio de 1890 pela Federação Americana do Trabalho – AFL”.
Primeiras Comemorações
No dia 1.º de Maio de 1890, em França, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Chile, Cuba, Brasil e Perú, entre outros, os sindicatos e outras organizações do Movimento Operário, promoveram desfiles, passeios e confraternizações. Muitas das pacíficas e ordeiras manifestações foram proibidas e reprimidas pelas forças policiais. Na Alemanha, os patrões ameaçaram considerar as faltas ao trabalho como rutura de contrato laboral, porém muitos milhares de trabalhadores não cederam e manifestam-se na via pública.
A ideia vai-se enraizando progressivamente. Maio é Primavera. Na Europa, tradicionalmente, esta estação do ano é o período mais favorável para a luta. A renovação da natureza parece predispor, psicologicamente, as massas trabalhadoras (ou não fosse, por óbvias razões, o inverno considerado o tempo que mata os pobres). Nas manifestações onde as forças policiais não intervêm o sangue não corre. Além das reivindicações há Festa: – Canta-se a Internacional, cânticos populares e operários. Dança-se, come-se e bebe-se. Desfraldam-se bandeiras. Empunham-se rosas e cravos, gravatas e lenços quase sempre vermelhos.
É também dia de LUTA. Ao longo de mais de cem anos e até aos dias de hoje, o 1.º de maio não perdeu as origens reivindicativas e de festividade. Lamentável é que, em muitos países, tal como em Portugal, os representantes dos trabalhadores continuem a sobrepor os interesses das suas organizações à vontade de unidade dos trabalhadores, promovendo celebrações separadas. É mau para os trabalhadores, bom para os Governos e óptimo para o patronato.
Os objetivos pelos quais os nossos antepassados lutaram, generosamente, os chamados três Oitos» – Oito horas de trabalho; Oito horas de repouso, Oito horas de educação – não precisam de ser reformulados. Eles estão longe de ser alcançados.
Não é uma luta de ontem. É uma luta actual. É uma luta futura.
*Sindicalista, investigador/autodidacta do movimento dos trabalhadores nacional e internacional
Texto publicado no Jornal de Sintra, ed. 4341 de 30 de abril de 2021