Bernardo de Brito e Cunha
Carlos Moedas será o próximo presidente da Câmara Municipal de Lisboa. A sua candidatura foi a mais votada, não obstante terem sido as de esquerda, no seu conjunto, a obter mais votos. Acontece que, no caso de Lisboa, boas razões existiam para se ter formado uma coligação à esquerda: a impossibilidade legal de o fazer depois das eleições (talvez a lei não faça muito sentido, mas é aconselhável gerir, em cada momento, as condições que existem), as provas dadas por entendimentos anteriores na autarquia e a oportunidade, no momento certo, de demonstrarem que são capazes de separar as águas ou, neste caso, de as unir por uma cidade. O mesmo se aplica a Sintra, como veremos.
Para além dessas razões existem outras que deveriam ter sido ponderadas e que, mesmo agora e sem que o exercício aparente tenha utilidade, devem ser ditas. Não se aplicam só ao caso de Lisboa e nem à governação autárquica, como escrevi. É que qualquer entendimento com forças políticas comprometidas com princípios de esquerda – ao nível destes partidos – terá mais do que um efeito eleitoral; representará uma mudança efectiva nas políticas que vão ser seguidas. É incompreensível que isto não seja valorizado. Para que servem estes partidos? Exclusivamente para fazer uma oposição eterna? É essa a ambição das lideranças? E a dos militantes?
O mesmo aconteceu aqui em Sintra: embora o PS tenha cavado uma distância de 10 mil votos (coisa escassa que lhe valeu perder a maioria absoluta) em relação ao segundo classificado, a coligação PPD/PSD.CDS/PP.A.MPT. PDR. PPM. R.I.R (uff!). Não parece credível que Basílio Horta, fundador do CDS/PP depois de 25 de Abril de 1974, não saiba que, nas autárquicas, ao contrário das eleições legislativas, não é possível criar “geringonças” (ou o que lhe quisermos chamar) depois das eleições: a coisa tem de ser planeada antes… Será que Basílio Horta acreditaria (hoje já não acredita, certamente…) ter uma base de apoio satisfeita com a sua obra? Ou levou o seu nome próprio na acepção grega, língua em que significa “rei”? Se formos a ver e sabendo o que sabemos hoje, para ter maioria absoluta, teria de se ter coligado com o PCP/PEV – com o CHEGA também dava, mas duvido que Basílio Horta fosse por aí, até porque não creio que o presidente reeleito acreditasse nos 11.786 que CHEGA conseguiu. Mas como o PCP/PEV teve apenas menos 85 votos…
Complicado, ou até mesmo assustador, foi a abstenção: 59,88%. E, se lhe acrescentarmos os votos em branco (3.489 ou 2,69%) e os nulos (2.228 ou 1,72%), então a coisa vai bem para lá dos 60 por cento. É triste e preocupante saber que, entre dez dos meus coabitantes de concelho, apenas quatro se deram ao trabalho de ir votar… Alguma solução terá de ser encontrada, seja ela a obrigatoriedade ou o incentivo ao voto. Pensar que a Câmara de Sintra foi decidida por 40 por cento da população do concelho, não me agrada muito, confesso.
Em matéria de televisão, o problema foi complicado para todas as estações. Para começar, porque a alteração da hora de fecho das urnas – uma hora mais tarde – levou as contagens para, em muitos casos, uma hora depois. E, nas zonas mais populosas, bastante mais tempo. Eu, que como de costume saltitei entre a RTP e a SIC, nunca assisti à transmissão televisiva de umas eleições em que tivesse desistido, devido ao adiantado da hora, sem saber os resultados finais das eleições na capital do país… E, como de costume, as sondagens do canal público foram mais certeiras: a RTP dava a vitória, desde as 21h, a Carlos Moedas, ao passo que a SIC se ficava por um “empate técnico” entre aquele e Fernando Medina…
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«Há pouco mais de um ano, Passos Coelho seria vítima desse isolamento. Sem outra informação senão a que era produzida internamente no PSD, o líder social-democrata viu na ameaça de sanções a Portugal e na negociação da recapitalização da CGD um moinho de vento em forma de diabo. Não falou com Carlos Moedas (de quem se afastou por ver nele uma protecção ao Governo), com o governador do Banco de Portugal ou sequer com Francisco Pinto Balsemão ou Marques Mendes, que tinham ouvido Mario Draghi num Conselho de Estado garantir que estaria ao lado do país na defesa de uma CGD pública.»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4359 de 1 de Outubro de 2021