Ao que Vimos
Velhas, consabidas e respeitadíssimas praxes impõem-nos o dever gostoso, neste momento, de explicar aos leitores o que vimos fazer, ao abrirmos, nas filas da Imprensa, um novo lugar. Vamos cumprir, em breves e concisas palavras, o respeitável preceito.
Não vimos, de estandartes desfraldados e ao som belicoso de trombetas, fazer guerra a quem quer que seja. Não nos movem ódios pessoais nem nos cegam ambições desmedidas. Não pensamos trazer, de rastos, para o tribunal da opinião pública, reputações e credos. Geralmente, as pessoas, assim como as crenças, politicas ou religiosas, são, para nós, inatacáveis. Evidentemente, não toleraremos, também, que nos bulam. Se respeitamos os credos alheios, exigimos que respeitem os nossos.
Politicamente, declaramos, alto e bom som, que as lutas partidárias, mais para a direita ou mais para a esquerda, nos são completamente indiferentes. O nosso ideal será a ordem nas ruas e a paz nos espíritos. Pode ser errónea ou parecer demasiadamente acomodatícia esta nossa opinião, mas a verdade é que a exprimimos com a maior tranquilidade, com a serena confiança de que aquelas duas condições são indispensáveis para que os problemas sociais, de toda a ordem, possam ser resolvidos em beneficio para todos.
Fala-se muito, agora, em definir atitudes políticas. A nossa fica, assim, definida: somos pela ordem e contra a desordem, quer da direita, quer da esquerda. Aplaudimos quem for digno, pelos seus actos, de aplausos, e censuraremos aqueles que prevaricarem. Não seremos férteis em elogios nem parcos em censuras, mas preferiremos que a nossa pena humilde seja sempre pena, e a necessidade nunca a obrigue a transformar-se em látego. Sinceramente, gostamos mais de elogiar do que de verberar. Mas, se a tanto formos constrangidos, não hesitaremos em fazer ouvir o nosso protesto e em fazer pesar, na balança de qualquer discussão, a nossa opinião, que, embora humilde, há-de pesar, por ser honesta, reflectida e desinteressada.
Pretendemos fazer, do «Jornal de Sintra», um órgão puramente regional. Movem-nos desejos de construção, não de demolição. Queremos edificar, não queremos destruir. O concelho de Sintra não tinha um órgão na Imprensa. Tem-no, desde hoje. A sua acção será proveitosa e útil? O futuro o dirá. É cedo para respondermos a esta pergunta e, de resto, somos avessos a vaticínios, sempre falíveis, sobretudo quando não são feitos por… iluminados.
O que, desde já, podemos prometer, sem receio de futuros desmentidos, porque temos confiança em nós próprios, é que vamos consagrar, a esta iniciativa, todo o nosso esforço e qualidades de trabalho. É-nos lícito, assim, ter esperança na proficuidade da acção do «Jornal de Sintra», porque o trabalho probo e constante nunca deixa de ser recompensado pelo êxito. Todavia, não nos imbuímos com perspectivas fáceis nem nos deixaremos subornar por miragens enganosas. Esperamos um trabalho insano, diligente, de todas as horas.
Sintra, com o seu alto valor turístico, a sua importância agrícola e industrial e a operosidade dos seus habitantes, está longe de ter obtido, já, dos poderes públicos, aquela soma mínima de vantagens materiais e de benefícios morais indispensáveis ao seu progresso. Pela satisfação dessas necessidades nos vamos empenhar. Será esse o nosso mais sagrado, senão único intuito. A nossa política, que mostrará, constantemente, a nossa acção jornalística, será a política de Sintra e do seu concelho.
Posto isto, em palavras singelas e sem escusadas, sediças e murchas flores de retórica, estão cumpridos os preceitos da praxe. Os leitores já sabem ao que vimos e para que vimos. Resta que eles nos auxiliem nesta santa cruzada pela valorização e engrandecimento dum dos mais belos rincões da terra portuguesa, do que não temos duvida, dado o bairrismo absolutamente justificável que caracteriza os habitantes deste concelho de maravilha.
Não queremos terminar sem envolver, num grande abraço, todos os nossos irmãos na Imprensa portuguesa. E, se isso é possível, queremos que esse abraço seja particularmente efusivo para todos esses irmãos da Província, que, mais com o coração do que com o cérebro, nos pequenos jornais em que defendem, ardorosamente, as suas terras, sem interesses especulativos e com um entusiasmo sempre moço e vibrante, contribuem para o levantamento intelectual, para a regeneração e para a melhor situação social da gente da nossa terra.
Está feita a apresentação. Saudamos os colegas, os amigos, os leitores, os anunciantes, todos, enfim, que vão ajudar-nos para o bom êxito desta iniciativa temeraria. E é com natural comoção mas com entusiasmo, decidido e firme, que pronunciamos as palavras sacramentas, neste momento solene de acção:
– Mãos à obra!
António Medina Júnior
Sintra, 7 de Janeiro de 1934
O Estatuto Editorial do Jornal de Sintra mantém-se desde a sua fundação em 7 de Janeiro de 1934. A suas directrizes de outrora consubstanciam a ampla visão do futuro da imprensa regional de Sintra, na óptica do seu fundador António Medina Júnior. Por imperativos legais este Estatuto Editorial estará disponível, em permanência no site em www.jornaldesintra.com
Idalina Grácio de Andrade
Sintra, 24 de Dezembro de 2021