Semanário Regionalista Independente
Quarta-feira Abril 24th 2024

“BBC – As Crónicas de TV”

O final da “silly season” – ou nem tanto…

Bernardo de Brito e Cunha

TENHO AS MINHAS dúvidas se Judite de Sousa fez bem em ter voltado ao trabalho na TVI, com aquela entrevista a Cristiano Ronaldo e continuando depois com o “Jornal das 8” de domingo. Julgo que lhe terão dito coisas do género, “Vai, que te irá fazer bem”, ou “Olha, é um passeio até Madrid, distrais-te e entrevistar o Ronaldo fazes tu de olhos fechados”. Ou até, talvez, “Enquanto lá estiveres não pensas noutras coisas”. E quem lhe disse isso – se é que o fez, ou fizeram – fê-lo certamente com a melhor das intenções. Mas eu estava a vê-la, um pouco tremeliques nos gestos e insegura na voz, as mais das vezes, e não parava de pensar: “Caramba! Então a licença de maternidade pode ir até seis meses mas a de in-maternidade fica pelos dois?”. Estas coisas não se resolvem, nunca se apagam, digo eu, e muito menos com prazos físicos e fixos. Varia. Talvez devesse ter sido ela a decidir a data, e não ter sido pressionada por Marcelo Rebelo de Sousa e, ao que se diz, pelo próprio Cristiano Ronaldo, que terá sido quem sugeriu a entrevista.

E ESTA, a entrevista, não foi grande espingarda. Ronaldo respondeu como quis e ao que quis – e nem mais uma vírgula. Mais uma vez cortou-lhe as vazas no que toca ao filho: nem mesmo quando Judite o questionou se o miúdo, que tem quatro anos, nunca perguntava pela mãe, ele foi descaradamente pelo que tem ensaiado e disse que ele gosta é dos jogos, dos brinquedos, do triciclo, ou coisa assim. E Judite contentou-se com isso, mesmo sabendo, como todos sabemos, que já nem pai incógnito há, quanto mais mãe… Não fiquei entusiasmado com a entrevista, nem mesmo quando ele entrou nas pseudo explicações do desaire do campeonato do mundo do Brasil. Que a equipa não estava no seu melhor: mas era preciso Ronaldo vir explicar o que acompanhámos em directo? E como a conversa era interessante, levámos com ela dividida por dois dias, no “Jornal das 8” e outras duas, para quem teve paciência, no “Jornal da Tarde”. É o que faz a silly season. E como estamos nessa, ficámos a saber que sim, que pensa no casamento, mas não para já. Entendidos, leitoras?

E POR FALAR em silly season, convém referir que enquanto alguns de nós fomos de férias, em Agosto, o nosso governo sofreu mais um chumbo do Tribunal Constitucional. Passos Coelho, que na altura estava a banhos lá para o Algarve, nem se incomodou em vir a Lisboa e deixou a “pastilha” da comunicação ao país a Paulo Portas. E, também, vir a Lisboa porquê? Isto já lhe aconteceu vezes suficientes para conseguir entrar no Livro dos Recordes do Guinness e assim sempre evitou aquele ar crispado que parecia dizer, em todas as ocasiões anteriores, “Agarrem-me ou eu mato estes juízes!”. Percebeu-se depois que tudo faz parte do plano que tem por nome “Eleições Legislativas”, a que Passos acrescentou depois mais uma parcela: “Não vou voltar a insistir no corte de pensões”. Tanta tentativa para cortar as pensões, já de si magras, e agora atira a toalha ao chão? Terá sido antes um deixar cair a máscara, o que se entende: talvez os pensionistas, agradecidos, consigam fazer com que os resultados eleitorais não sejam tão catastróficos. Talvez. Repito: talvez. Mas mesmo que seja uma catástrofe e Passos perca este empreguinho tão jeitoso, a ele já não lhe tiram a pensão. Vitalícia. E nessas ninguém mexe.

FIQUEI A SABER que a organização Transparência Internacional lançou na terça-feira, em 11 países, incluindo Portugal, uma campanha para exigir aos governos “medidas imediatas” para resolver as lacunas legislativas que facilitam a circulação de dinheiro ilegal. A campanha chama-se “Desmascarar os corruptos” (Unmask the Corrupt, em inglês) e parece-me exagerada, no nosso caso: como se sabe, nenhum corrupto precisa de usar máscara em Portugal…

HÁ DEZ ANOS ESCREVIA

«Há coisas que nos envergonham como homens, como seres humanos e, na circunstância, como portugueses. Falo do caso do “Aurora”, que a comunicação social, em trocadilho um pouco de mau gosto, apelidou de “o barco do aborto”. E o que nos envergonha mais não é que tenha havido algumas manifestações populares contra a vinda do barco holandês – o que seria normal – mas o facto de o governo ter tomado uma atitude de força. Pareceu-me bastante ridículo ver aquele pequeno barco para lá das 13 milhas marítimas e, por perto, o espectro de um navio de guerra. Não devia ser muito grande esse vaso (o barco era português e grande, em questões de mar, só o ego do respectivo ministro), mas comparativamente parecia. E, francamente, até parecia que do “Aurora” ia partir um ataque terrorista, quando toda a gente sabia da vinda do navio, da sua nacionalidade e da sua bandeira. E trata-se de um navio de um país membro da União Europeia.»

(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)

Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4039 de 5 de Setembro de 2014.

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