Semanário Regionalista Independente
Sábado Abril 20th 2024

“BBC – As Crónicas de TV”

Limpinho, limpinho…

Bernardo de Brito e Cunha

ESTIVE a acompanhar durante a manhã a audição de Ricardo Salgado. Primeiro foi ele, durante cerca de dez horas, depois José Maria Ricciardi. A comissão parlamentar de inquérito ao BES fez ontem uma longuíssima maratona de 17 horas, que acabou num fogo cruzado a três: Salgado responsabilizou o Banco de Portugal pela sua permanência em funções até Julho (disse ele que “Bastava um sinal do governador para eu pedir a demissão”) e pelo fim do BES, e ainda o Governo que deu uma nega monumental; Carlos Costa refutou tudo tornando públicas cartas que estavam em sigilo; Ricciardi foi lembrar que se tinha oposto à gestão “ditatorial” do grupo – e dar alguns dados novos sobre as operações suspeitas que envolveram a Eurofin.

MAS não ficou por aqui, o ex-dono disto tudo, como era chamado: ele há mais culpados, na sua opinião. Ricciardi “terá recebido alguma contrapartida do Banco de Portugal” – uma insinuação que um pouco mais à frente retiraria – enquanto Álvaro Sobrinho é responsável pelo problema do BES Angola e por ataques na imprensa. E, se bem me lembro, só houve uma pessoa que Ricardo Salgado defendeu: o construtor José Guilherme e a famosa prenda de 14 milhões de que tanto se falou e que Salgado procurou, o mais que pôde, afastar do inquérito parlamentar. Não conseguiu: depois de algumas insistências dos deputados para falar do caso, Salgado lá cedeu depois de uma pergunta da bloquista Mariana Mortágua. E para dizer que o “amigo” é mais credor do que devedor do BES. Caramba: se José Guilherme é mais credor do que esses 14 milhões, de quanto será credor? Nem quero pensar nisso que esses números deixam-me mal disposto. Sobretudo quando penso que esse valor é semelhante ao prémio do Euromilhões e, se o ganhasse, teria de dar cerca de 3 milhões a Maria Luís Albuquerque – e Salgado recebeu-os limpinhos, limpinhos.

E NO MEIO disto tudo eu não percebia uma coisa: a razão por que Sócrates está em Évora, suspeito de umas malandragens, e a família Salgado anda por aí, soltinha da silva e com o bom aspecto de sempre. Percebi ontem, ao vê-los na televisão e ao ouvir coisas como: “Sou um trabalhador, que dedicou ao banco uma vida, mas não me pode responsabilizar por tudo o que aconteceu fora do banco”, como Salgado referiu, em resposta a um deputado; ou “Eu vivia dentro do BES. Era dos primeiros a chegar e dos últimos a sair. Passei 70% dos fins-de-semana a trabalhar em casa” ou ainda “Ninguém se apropriou de um tostão, nem na família, nem nos quadros directivos” e, sobretudo, o ter-se permitido graçolas – “O dono disto tudo aparece como culpado e como vítima disto tudo”. Ora aí está: é que quem os ouve não os leva presos…

VOLTEI à TVI, única e exclusivamente porque transmitia o jogo do Benfica. De resto, só quando quero chorar ou, em alternativa, chorar a rir… Por exemplo: Cristina Ferreira tem aquele tonzinho de voz tão característico de Queluz de Baixo e em que é seguida por Fátima Lopes, e que me deixa à beira de um ataque de nervos. Ou então, bastam-me cinco minutos da “Casa dos Segredos” para clicar o comando, lavado em lágrimas… Não se pode dizer que a televisão que se diz líder de audiências seja especialmente atractiva para os seus seguidores, que diz serem muitos. Mas a SIC, durante as manhãs e tardes, também não se pode ficar a rir, que Júlia Pinheiro está de meter medo. O que vale ao Dr. Balsemão é ter umas novelas à noite que lhe safam o share quando não…

HÁ DEZ ANOS ESCREVIA

«O pior é que no dia seguinte já estava tudo completamente desequilibrado dos nervos. Pedro, cujo assessor de imprensa garantira aos jornalistas que ele não falaria à porta de uma igreja, foi como se tivesse montado uma banquinha de cromos e torrão de alicante ali à porta da basílica da Estrela. E vá de começar a zurzir: “O Presidente garantiu-me por três vezes que não havia crise, que não demitiria o governo. Perguntei-lhe três vezes, no começo, no meio e no fim da conversa, e ele garantiu-me que nem pensar.” Claro que houve um chico esperto que, de microfone voltado para a banquinha dos cromos, pensou que tinha descoberto a pólvora: “Então isso quer dizer que o Presidente mentiu!” Foi aí que Pedro parou o que ia a dizer, olhou-o um bocadinho de lado, pôs um ar de mafioso italiano e respondeu: “Nunca! Eu não disse isso. E o senhor Presidente não mente. O que eu quero dizer é que alguma coisa se passou para ele ter mudado de opinião. E eu não sei o que foi.”»

(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)

Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4053 de 12 de Dezembro de 2014

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