Semanário Regionalista Independente
Sábado Abril 20th 2024

“BBC – As Crónicas de TV”

O Rouxinol que foi uma revelação

Bernardo de Brito e Cunha

COMO SE SABE há no próximo domingo eleições na Grécia. Eleições legislativas que foram provocadas pela impossibilidade de eleição de um novo presidente da república, coisa que por lá é feita pelos deputados, num sistema de três voltas. A incapacidade de a maioria da Nea Demokratia e Pasok (o Partido Socialista grego) eleger o seu candidato, que era único, provocou a queda do Parlamento e a necessidade de convocar eleições. À frente nas sondagens, com uma margem discreta mas em crescimento, está o partido de Alexis Tsipras, o Syriza que, tudo indica, ganhará as eleições de domingo. Enquanto muitos apontam esta vitória de Tsipras como uma mudança não só para a Grécia, como para todos os países atingidos pela crise, os neoliberais ou neocons instalados por essa Europa fora, têm-se desdobrado em discursos contra o Syriza que já não se ouviam desde a queda do muro de Berlim: só ainda não falaram do papão e das criancinhas porque não calhou… Mas daqui até domingo, ainda têm tempo. O que os assusta são as três promessas de Tsipras (ou pelo menos duas delas): um corte na dívida grega, renegociação das prestações de pagamento e que os ingleses devolvam os mármores roubados do Pártenon. O que os assusta, claro, são as duas primeiras.

FORAM divulgadas em meados de Janeiro, pelo Conselho Geral Independente (CGI) as linhas orientadoras da RTP às quais deve estar sujeito o Projecto Estratégico que terá de ser apresentado pela nova administração. Segundo essas linhas apresentadas, a RTP “deverá assumir-se como o operador mediático distintivo e de referência, no panorama audiovisual”, devendo “recusar a imitação e a contraprogramação, diversificar a programação nos horários nobres e respeitar os respectivos horários, envolver e escutar os cidadãos, e ter em consideração os ritmos de vida dos ouvintes e telespectadores”. O documento sublinha ainda que “um serviço público de media deve evitar colocar programas diversificadores da oferta a horas inacessíveis para a maioria das pessoas”. Se for isto, não me parece difícil que a administração possa fazer um projecto estratégico capaz. O que me agrada, é exactamente este último parágrafo: não colocar programas diversificadores a horas inacessíveis. O que, como sabe quem me lê, é das coisas que mais me irrita nos programas que me interessam: passam quando já estou a dormir.

PORQUE aquela história do “operador distintivo e de referência” me parece desnecessário ter constado do papel, porque a RTP já o é, em muitos aspectos. E refiro dois ou três exemplos: em primeiro lugar, o “Há Tarde” que nos revelou um Herman José diário e em forma, bem como (graças a ele) se ganhou uma apresentadora, Vanessa Oliveira; “Bem-Vindos a Beirais”, uma série portuguesa com actores nacionais e que tem chamado muitas figuras a entrarem como “visitantes” da terreola. E tivemos no último domingo o exemplo acabado da excelência da produção nacional. É certo que “Portugal Got Talent” é um formato estrangeiro, mas já vimos exemplos semelhantes redundarem em fracassos. Não foi o caso, bem pelo contrário. Ali apareceu (e aparecerá) de tudo, desde o patinador ao mágico das cartas, passando pelos cantores. Mas tivemos um júri tão equilibrado que até Manuel Moura Santos esteve irreconhecível.

UMA PALAVRA especial para Marco Horácio, o apresentador dos bastidores, que conhecemos de outras palhaçadas e outros Rouxinóis. Vê-se que Marco Horácio fez o trabalho de casa, que estudou os seus congéneres nas versões estrangeiras. E percebe-se até que, muitas vezes, os ultrapassou: na emoção e no carinho pelos concorrentes, na graça e no aparte dirigido aos companheiros de trabalho nos bastidores. Tivéssemos nós cá os Emmy e o homem era candidato.

HÁ DEZ ANOS ESCREVIA

«Dou com a estreia, anunciada de resto, de “João Semana”, coisa hipoteticamente baseada num livro de Júlio Diniz, “As Pupilas do Senhor Reitor”. Até aqui, tudo bem: é o fardo da RTP, este de adaptar para a televisão os grandes da literatura portuguesa, tal como é o da BBC adaptar Shakespeare, Oscar Wilde, todos. A questão é que, por cá, os grandes não são tantos como isso – e uns que o são não têm direito a adaptações. Se calhar nem queriam, mas isso é outra questão. Julgando pelo primeiro episódio, não sei se gostei de “João Semana”. A começar pelo nome, que não é o nome do livro de Diniz, mas sim de uma personagem: era o mesmo se a BBC fizesse uma adaptação de “Hamlet” e lhe chamasse “Ofélia”. Por que não chamar os bois pelos nomes, como diz o povo? Não entendo. Depois, convém não esquecer duas coisas. Em primeiro lugar, que é um romance de época, o que resulta sempre bem. E, em segundo lugar, que o autor da mixórdia Pupilas do Senhor Reitor-Zé do Telhado, é Moita Flores. E onde aparece Moita Flores, aparecem geralmente duas coisas: a grande confusão histórica e, também, sua mulher, Filomena Gonçalves. Mas desta vez Filomena não entra como actriz, limita-se a ter sido a produtora.»

(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)

Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4055/56 de 23 de Janeiro de 2015

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