Coisas do Verão e da Covid
Bernardo de Brito e Cunha
Já se sabe como é a silly season que (ainda) estamos a atravessar este ano: tirando o problema da covid 19, que é uma constante e de que falarei mais adiante, com maior pormenor, não há notícias que mereçam verdadeiramente esse nome. E aí, porque os noticiários não perdoam, deita-se a mão ao que há. E não se pense que este é um problema exclusivo das televisões (e outros órgãos de comunicação social) nacionais: em todo o mundo o problema é o mesmo. Basta ver o episódio ocorrido durante mais um fim-de-semana a banhos de Marcelo Rebelo de Sousa, desta vez no papel habitual de nadador, mas a que acresceu a vertente de salvador, e o relevo que isso teve por cá. E também lá fora: a (mais ou menos) insuspeita BBC também se debruçou sobre o assunto e ainda os britânicos não tinham começado a chegar ao Algarve em maior número, a televisão espanhola não deixou passar o assunto e nem mesmo os alemães deixaram de referir o heróico salvamento. Mas convenhamos que a importância que lhe foi dada é um pouco ridícula.
Depois tivemos o caso do semanário Expresso e a entrevista ao primeiro-ministro, gravada em vídeo. Parte dessas imagens e respectivo som, das quais algumas proferidas em off, foram parar às mãos erradas. Nelas, António Costa chamava cobardes aos médicos que se tinham recusado a prestar assistência aos doentes de um lar de idosos… O Expresso veio explicar o que acontecera: enviara para duas televisões os sons da entrevista, incluindo algumas dessas imagens, conhecidas como ‘planos de corte’ (que são imagens que ajudam as televisões a enquadrar com outras imagens as peças sobre a entrevista). Esses planos de corte incluíam a imagem e áudio de sete segundos que resultaram na polémica conhecida. Esse envio foi um erro da responsabilidade do Expresso, que o semanário assumiu por inteiro. Quando o Expresso se apercebeu de que esse vídeo tinha sido enviado juntamente com os tais planos de corte, pediu às duas televisões que não o usassem e que o apagassem do arquivo por se tratar de uma “conversa confidencial entre uma fonte e os jornalistas”.
O bastonário da Ordem dos Médicos saltou que nem um tigre – coisa que, de resto, parece ser a sua reacção habitual a tudo o que tenha a ver com médicos. Eu percebo lindamente que ele defenda a classe: mas essa posição (que não difere muito da de um vulgar sindicalista) parece excessiva, sobretudo em função dos testemunhos que se ouviram, e feitos pelos autarcas da região onde se situam os lares. E quis uma reunião com António Costa: teve-a, mas, aparentemente, não ficou satisfeito. Com o pequeno senão de não o ter expressado na altura, perante as televisões, mas um dia depois… numa carta aos médicos.
Para além do romance que envolve a Festa do Avante! (nunca a Festa, nem o PCP tiveram uma tal visualização e publicidade), e que bem podia dar uma novela, o nosso grande problema continua a ser a covid 19. Foi anunciado que a partir de dia 15 de Setembro todo o país voltará a estar em situação de contingência, coisa de que só se podiam gabar 19 freguesias da área de Lisboa e Vale do Tejo. Isto prende-se com o facto de, a partir de princípios de Setembro, irem acontecer diversas coisas – o regresso de férias, a chegada de muitos turistas, agora que se abriu um dos corredores aéreos mais importantes para o turismo, o do Reino Unido, e o início das aulas. Entretanto, a Direcção-Geral de Saúde modificou os seus relatórios diários, sendo que deixou de publicar números de casos por cada concelho. Deixou de esmiuçar os dados e deixou-nos às escuras e preocupados, a nós, porque o concelho de Sintra tem vindo a registar um número de casos considerável e a maior parte do número de mortos que se tem verificado diariamente vem sempre assinalado na região de Lisboa e Vale do Tejo – em que o nosso concelho se integra. Era bom que a DGS voltasse a discriminar os números, para nosso sossego…
HÁ DEZ ANOS ESCREVIA
«No dia 10 de Agosto, se me não falha a memória, a directora da Organização Mundial de Saúde, a Dra. Margaret Chan, veio comunicar a quem a quis ouvir que, nessa data, estava oficialmente decretado o fim da pandemia de gripe A, ou H1N1. Mas, aproveitando o ensejo, ainda disse mais: que o número de mortos total, a nível mundial, tinha sido de 18.450. Ao que o jornalista de serviço, aqui, acrescentou o número nacional, como de resto lhe competia: 124 mortos. O que, com o devido respeito, é insignificante para as previsões adiantadas pela mesmíssima Organização Mundial de Saúde e pela mesma directora: nem a uma grosa chega. A inoculação de uma vacina surgida “miraculosamente” em cima da hora terá, certamente e nalgumas circunstâncias, contribuído para estes escassos casos mortais.»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4308 de 4 de setembro de 2020