Estranhas coisas surgem perante os meus olhos
Bernardo de Brito e Cunha
Comecemos pela 1, a televisão pública. Sem esquecer a irmã do meio (estava a esquecer-me da 3) onde se encontram alguns dos melhores programas, a verdade é que a 1, que é mais “comercial” no sentido de se assemelhar mais – ou de se aproximar mais – às concorrentes não-estatais. Digamos, salvaguardando distâncias, que a RTP1 se mantém muito fiel ao formato da BBC conservando, por exemplo, os únicos concursos que se vêem na televisão portuguesa. Poderia dizer-se: “Ah, mas se acabassem com O Preço Certo, que já é uma instituição, caía o Carmo e a Trindade!” e é bem capaz de ser verdade. Mas tirando esse caso tão específico, para cujo sucesso contribui de forma decisiva o talento de Fernando Mendes, a verdade é que a RTP acredita nos concursos. Mesmo que sejam meio a brincar.
É o caso de I Love Portugal (o Love é um coração, como é moda há já algum tempo) e passa aos domingos à noite, depois do Telejornal. Os apresentadores são Filomena Cautela (que vai voltar num outro concurso, o Quem Quer Ser Milionário, também este com provas dadas e de sucesso quase garantido) e Vasco Palmeirim, prata da casa, portanto, enquanto as duas equipas de concorrentes são personalidades conhecidas do mundo da televisão, da música e por aí fora. Os prémios… bom, os prémios não existem, ou melhor, são perfeitamente simbólicos: no último programa, cada concorrente levou para casa um lenço de Viana do Castelo – oferecido pela câmara municipal da cidade. Mas a verdade é que o despique se torna divertidíssimo ao longo das diversas provas: já vi dois programas com as equipas de Teresa Guilherme e Toy, não num dueto improvável como aqueles que a internet celebrizou, mas sim, podemos dizê-lo, num duelo de titãs, que alternaram com um outro duo com as equipas de Carlão e Carolina Deslandes, bastante mais fraco que a dupla Teresa/Toy – talvez porque este último tem uma lábia impressionante e uma queda para o versejar que lhe vem, certamente, das canções e Teresa Guilherme aquele à-vontade que todos lhe reconhecemos.
Quando no último domingo esperava pela Fórmula 1 (era o milésimo Grande Prémio da Ferrari, portanto não podia perder, apesar dos maus resultados da marca) de repente levantei os olhos para o ecrã do televisor e dou com uma imagem inesperada do Santuário de Fátima: um número impressionante de pessoas (repórteres no local referiam cerca de 100 mil) aglomerava-se no recinto do Santuário. Mais ainda: o domingo era de muito calor e grande parte desse número aglomerava-se à sombra das árvores que se encontram do lado esquerdo do recinto – sem distanciamento social e, tanto quanto se podia ver, muito poucas máscaras de protecção.
De tal forma que, a dada altura, o Santuário “fechou as portas” e impediu mais entradas no recinto. O fecho das portas está entre aspas porque o Santuário é um espaço aberto, sem portas ou barreiras. E não pude deixar de me lembrar de toda a celeuma que se levantou em volta da festa do Avante, na quinta da Atalaia: que era inadmissível, que se tratava de um favor do governo a um partido político e que se realizou depois de a DGS ter analisado o caso e ter definido regras.
E aqui chegado, e sabendo que tinha sido difícil celebrar os dias 13 anteriores devido à pandemia, não deveria ter havido cuidados redobrados neste 13 de Setembro? Sei hoje, terça-feira, que está a ser delineado esse plano com vista ao próximo dia 13 de Outubro: mas, sem querer ser alarmista, não estaremos a reagir tardiamente?
«Os recentes confrontos e manifestações de violência em Moçambique, que tiveram origem em aumentos de preços de bens essenciais, ditados pelo FMI, fizeram surgir um sem número de correspondentes no local. Uma televisão (julgo que a SIC Notícias, mas sem o garantir absolutamente) descobriu um tal Canancio Malache que, num dos seus despachos via rádio ou telefone, deu conta que “a polícia dispersou a multidão com gás lacrimogéneo e balas de borracha, algumas verdadeiras”. Ainda está para se saber qual dos dois tipos, nesta mistura de balas de borracha e as verdadeiras, seria o predominante: mas parece que o número de mortos e feridos não deixa grandes dúvidas quanto à predominância das de chumbo»
(Esta crónica, por desejo expresso do seu autor, não respeita o novo Acordo Ortográfico.)
Crónica publicada no Jornal de Sintra, ed. 4310, de 18 de Setembro de 2020