Semanário Regionalista Independente
Quinta-feira Abril 25th 2024

Silêncio, que se vai jogar goalball

A audição e o tacto são essenciais nesta modalidade desportiva que não requer o uso da visão. O JS assistiu a uma demonstração de goalball protagonizada pela equipa do Clube Atlético e Cultural da Pontinha, actual campeã nacional, naquela que é uma escola referência para alunos cegos e com baixa visão – a Escola Básica 2,3 Padre Alberto Neto, em Rio de Mouro. O capitão desta equipa de goalball é da Abrunheira, em Sintra.

Quando se perguntou quem queria experimentar todos eles eram dedos no ar e entusiasmo. De facto, quando a equipa do Clube Atlético e Cultural da Pontinha visitou os alunos do projecto Escola Aberta, na Escola Básica 2,3 Padre Alberto Neto em Rio de Mouro, no dia 15, para divulgar e explicar o goalball, foram acolhidos pela curiosidade dos jovens e pela vontade de aprender.

Uma das principais regras do jogo é a utilização de vendas nos olhos. Logo, a visão não é de todo necessária à prática deste desporto, que aliás foi concebido de raiz para pessoas com deficiência visual, não sendo por isso integrado nas modalidades que compõem o chamado “desporto adaptado” – o goalball surgiu após a segunda guerra mundial, tendo servido para ajudar soldados que tinham perdido a visão em combate. No entanto, alguns dos elementos que compõem a equipa do C.A.C. da Pontinha, bem como de outras equipas, não têm quaisquer problemas visuais.

Os alunos ficaram a perceber que o goalball é jogado num campo com as mesmas dimensões de um recinto de voleibol – 18 metros de comprimento por 9 metros de largura – onde os limites estão marcados com relevo e as duas equipas adversárias, de três jogadores cada, se encontram frente a frente. O objectivo é simples: marcar mais golos do que a outra equipa. No entanto, para o conseguir, os atletas têm de estar atentos ao som de uma bola, de 1,250 quilos, que no seu interior contém guizos e que é atirada por um dos jogadores da equipa adversária. A defesa da própria baliza, que contém os 9 metros que compõem a largura do campo, é feita com os jogadores deitados no chão.

O goalball requer concentração por parte dos atletas e também silêncio dos espectadores, já que a audição é um dos sentidos que permite o bom desempenho dos atletas. Os alunos depressa se habituaram e quase todos eles quiseram repetir a experiência. A terminar a actividade, os jovens criaram equipas e desafiaram a equipa do C.A.C. da Pontinha numa saudável competição que serviu também de processo de aprendizagem. “Por vezes as crianças acham que não conseguem ou não podem porque não têm capacidades, quando há pessoas que conseguem tanta coisa e têm incapacidades que eles não   têm”, explicou a educadora social, Sónia Mendes, uma das mentoras do projecto Escola Aberta [ver notícia da página 2]. “Eles gostaram muito do desporto e esta foi mais uma experiência para eles”, concluiu.

Um dos atletas do C.A.C. da Pontinha mostra como defender a bola

Um dos alunos, Paulo Gonçalves, confessou ao JS que gostou muito da actividade e que no início custou-lhe um pouco não poder usar a visão. No entanto, acabou por aprender que é possível utilizar os outros sentidos, o que pode ser um pouco “difícil” no início. Também Yurdan Caetano disse ter gostado de experimentar o goalball, especialmente “de estar com os olhos fechados e ter que defender deitado”. O jovem acrescentou ainda que considera que os cegos “precisam de apoio e compreensão”, já que não podem “andar nem passear” como as pessoas que vêem, e que a partir da actividade ficou a perceber melhor as suas dificuldades.

Mais vídeos em http://www.youtube.com/user/JornaldeSintra

Concelho “não tem ligações praticamente nenhumas com a modalidade”
De acordo com Elisa Gaspar, professora do ensino especial do domínio da visão no Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro, especialmente na Escola n.º 2 de Rio de Mouro, “não há um tempo curricular específico para a prática de goalball”. A professora, que dá aulas de iniciação de Braille a quatro alunos, assim como dá “uma pequena ajuda em termos de actividades de vida diária”, afirma ao JS que “era importante” que se ensinasse o goalball nas escolas “porque há muitas competências motoras que se podem trabalhar e que esta modalidade nos permite fazer; era curioso introduzir-se mais esta modalidade” nos estabelecimentos de ensino.

De acordo com Lisa Gaspar, que treina uma equipa de goalball no Porto, “era importante fazer este contacto e esta sensibilização dos alunos da escola e fazer a divulgação da modalidade, ainda por cima porque esta é uma escola de referência para alunos cegos e com baixa visão”.

O capitão da equipa do C.A.C. da Pontinha, Ruben Portinha, mora na Abrunheira e frequentou o ensino básico na própria Escola Padre Alberto Neto, onde teve o primeiro contacto com o goalball. Contudo foi em Dezembro de 2009 que começou a treinar oficialmente a modalidade, primeiro ligado ao clube ACAPO – DL e depois no C.A.C. da Pontinha. Além da vantagem que advém da prática desportiva, que “traz benefícios a nível físico e mental”, o goalball traz-lhe ainda “a vantagem de aprimorar os sentidos que, para uma pessoa com deficiência visual, são vitais ”, considera o atleta, acrescentando “junte-se-lhe ainda o facto de poder conhecer novas pessoas e criar uma saudável convivência entre o grupo”.

O sintrense lamenta, no entanto, a falta de divulgação do goalball. “É difícil haver iniciativas” da modalidade “num concelho que não tem ligações praticamente nenhumas” com ela, diz Ruben Portinha. “Por isso, é preciso trazê-lo até cá. Estou a pensar elaborar um projecto para um torneio quadrangular de préépoca e propô-lo à autarquia. É uma iniciativa que não envolve muitos custos e seria benéfica, quer para a divulgação da modalidade quer para a própria Câmara Municipal”, afirma. No que toca a Sintra, afirma o atleta, que possui uma deficiência visual, “há grandes falhas a nível de acessibilidade para as pessoas com deficiência, não só a visual” e “sente-se isso na vila, nos subúrbios, nos edifícios públicos…”, conta. No entanto, há também aspectos positivos, como a Biblioteca Municipal de Sintra e a estação de comboios de Rio de Mouro, que estão “simples e práticas”.

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Texto, fotos e vídeos: Vanessa Sena Sousa
Reportagem publicada na edição de 23 de Julho de 2010

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